Entrevista a Snatam Kaur
Hari Rai Singh (HRS): Muito grato por se reunir comigo. Estamos muito entusiasmados por tê-la em Portugal no próximo dia 17 de Março. Estou honrado e agradecido por esta oportunidade. A Snatam teve um impacto tão importante na minha vida nos últimos 10 anos que é uma honra e um privilégio entrevistá-la. Quando é que começou a notar que a sua música tinha um impacto na vida das outras pessoas?
Snatam Kaur (SK): Yogui Bhajan[1] disse que a primeira pessoa que tens de ensinar és tu mesmo. Para seres um professor eficaz tens de ensinar a ti mesmo. Comecei a notar efeitos em mim. Não consigo precisar o momento exacto porque cresci a ouvir música. Quando os meus pais se divorciaram comecei a cantar à noite, porque estava assustada com toda a situação e cantar à noite dava-me conforto. Esse foi o primeiro momento que senti como os cânticos sagrados podiam ser utilizados. Quando era adolescente voltei aos cânticos à procura de ajuda e ficava na sala de meditação durante horas até elevar a minha energia. Aos 20 anos, a minha jornada mudou quando me tornei instrutora de Kundalini Yoga. Após a formação ganhei consciência da minha missão de ensinar o cântico de mantras. As pessoas vinham à minha aula para aceder àquele espaço de compreensão, para terem uma experiência de cura. Ali vi os efeitos dos cânticos de mantras e isso guiou-me para começar a gravar álbuns e a dar concertos.
HRS: Acha que é por isso que muitas pessoas vão aos seus concertos e workshops?
SK: Sim. Sinto que estes cânticos vivem quando são experienciados por pessoas. Nos meus concertos e workshops tento criar experiências para que a pessoas possam cantar. Há uma simplicidade e acessibilidade. Admiro os músicos que têm muita técnica, mas aqui o objectivo é que a música apoie a experiência do cântico. Os cânticos são medicinais.
HRS: Algumas mães têm-nos ligado a perguntar por bilhetes, porque os seus filhos pedem para ir ao concerto. Por que acha que as crianças têm esta ligação com a sua música?
SK: Ensino música e cânticos de mantras em campos de férias para crianças. Também ensino uma aula semanal para crianças na minha cidade natal. Aprendi da tradição Sikh, que foi fundada no séc. XV no norte da Índia, que a idade não tem barreias. Houveram 10 Gurus e cada um tinha algo para ensinar. Guru Har Krishan tinha apenas 5 anos e carregou essa responsabilidade. Vinham pessoas de toda a Índia para o ver e para se curarem. Ele tinha a capacidade de curar através das mãos. Nesta tradição há uma ênfase em ensinar a crianças, porque as crianças são o futuro. Na verdade somos sempre crianças e temos de voltar para a raiz e abraçar a corrente curativa. Estou grata por ensinar a crianças, pois trazem-me para a importância da vida.
HRS: É a primeira vez que actua em Portugal. O que espera do concerto de 17 de Março?
SK: Posso estar errada, mas sinto que é um país lindo. Com pessoas de coração aberto. Provavelmente estarei muito emocionada ao sentir muito amor. Sinto que é um país com muita luz. Será uma dádiva para mim e para a minha banda actuar em Portugal. Sinto que será uma grande bênção.
HRS: Será certamente uma grande bênção tê-la cá e à sua banda. Será um momento muito especial. Cantará alguns clássicos dos seus primeiros álbuns?
SK: Sim. Já ando em tournée há 14 anos. Há algumas músicas que tocamos sempre e outras que sinto uma forte ligação. Com esta banda já actuo há 3 anos e criámos um novo álbum em conjunto no Inverno do ano passado. Gravámos este álbum ao vivo no estúdio. A energia era tão vital, rica e bonita que me inspirou. Esta gravação trouxe união, amor e confiança entre nós. Estou mesmo entusiasmada para partilhar estas músicas convosco em Portugal. Esse álbum sairá na mesma altura do concerto português. O álbum chama-se Beloved (Amado). O título tem a ver com o encontrar o amado dentro de nós. Encontrar uma conexão amorosa connosco mesmos em vez de olhar para fora. Senti-me inspirada pelo nome para que as pessoas sintam essa luz dentro delas. Especialmente no dias que correm, temos de encontrar a paz de alguma forma. O nome do álbum é para suportar isso.
HRS: O que veio primeiro na sua vida? A música ou o Kundalini Yoga?
SK: [Risos] Como sabe o mundo do Kundalini Yoga está repleto de música [risos]. Ambos vieram ao mesmo tempo. Cresci com o Kundalini Yoga e com a música. Os meus pais eram praticantes de Kundalini Yoga, Sikhs e músicos. Estes cânticos, em que temos de premanecer quietos e manter o ritmo, são uma forma de respiração yoguica. Esta música é diferente. Não é para dar destaque ao instrumento, mas para intensificar a luz interior.
HRS: O que é para si um mantra? E quão importante é entoar mantras?
SK: Mantra é uma forma muito poderosa de purificar a energia. Acordas para a tua prática matinal (sadhana) e ao entoar mantras cortas os pensamentos negativos e elevas a tua mente. No final de uma sessão de cânticos está tudo mais claro. Não há nada no planeta que te dê esta libertação da mente. Não é só mental, porque somos seres inteiros, mas a mente sente-o e os cânticos sentem-se ao longo do corpo, dando-nos uma sensação de libertação e relaxamento. Depois disto todos os problemas parecem pequenos. Elucida-nos para uma parte mais clara da mente. Os cânticos sagrados ajudam a lidar com a depressão, com a raiva, com os medos. Ajuda-nos a lidar com todas as emoções da experiência humana, trazendo-nos até nós mesmos. Não nos torna diferente, nem outra pessoa, porque és o suficiente. Tens ferramentas para lidar com os teus desafios. É como se tivesses a cozinhar uma sopa e te tenhas esquecido de mexê-la, deixando-a queimada no fundo da panela. Na nossa experiência humana tendemos a esquecer de mexer a panela, não olhamos para nós e ignoramos a nossa prática espiritual. Depois temos uma panela com um fundo queimado e o que vamos fazer? Temos de a lavar e esfregar! Depois de vidas e vidas de panelas queimadas temos de esfregar muito, porque há um colectivo de pensamentos na nossa mente. Os mantras são os esfregões. É por isso que temos de repeti-los tantas vezes. Criamos um ritmo constante para convencer o coração a confiar no «esfregão». Cada vez que entoas mantras estás a remover «resíduos» de vidas passadas, de sofrimento, de problemas e de medos. No final tens uma panela limpa. Temos tanto para limpar que é preciso fazê-lo de uma forma diária. Se não o fizeres regularmente tornas-te mais pesado e denso, sendo mais difícil brilhar e seres tu próprio. Os mantras são uma forma de limpar a mente.
HRS: A propósito da prática diária – Quando viaja e está em tournée consegue ter tempo para a sua prática diária?
SK: Faço por isso. Quando estou em tournée, a viajar e também no meu quotidiano é importante dormir e descansar o suficiente, e dedicar algum do meu tempo à minha prática de yoga e meditação. Isso mantém-me saudável e leve. Obviamente que quando estou em tournée a minha prática diária muda um pouco, porque frequentemente fico sentada por longos períodos nos voos para os locais dos concertos, durante o concerto, portanto faço mais yoga para mexer o meu corpo e a energia. Quando estou em casa tenho mais oportunidade de caminhar, de exercitar o corpo e simplesmente andar de um lado para o outro. Dependendo da energia da tournée é habitual fazer determinada meditação para manter-me focada e com a mente clara. Sigo a prática básica do sadhana aquariano, divida em 5 etapas que destaquei no meu livro. Na primeira etapa preparas-te para a prática – tomar um duche frio, vestir (de branco), seguir a dieta. Esta última é uma parte importante para mim. Tenho muito cuidado com a minha dieta. Prefiro sentir-me leve no meu corpo, na minha mente e na minha alma, procurando comida que se conecte diretamente com isso. Esta primeira etapa, de preparares-te, preparares o teu ambiente e garantir que tens um espaço de meditação também acontece quando percorro o mundo em concertos. Faço uma recitação do Japji[2] para conectar-me. A seguir faço o yoga e algum tipo de cântico, finalizando com uma oração (ardaas). Orar é realmente útil para mim para colocar as minhas preces de numa forma claro, e comunica-las ao divino, atraindo essa energia. Por fim, faço uma leitura sagrada (hukam). Esta é uma oportunidade para o divino falar contigo. As pessoas querem, muitas vezes, escalar uma montanha, falar com um sábio e obter resposta para as suas vidas mas na verdade podes fazê-lo todos os dias. Deus falará contigo. É o que acontece nesta tradição Sikh de ler um hukam, onde o divino expressa-se. Tenho a certeza que outras tradições também o terão, então apenas encorajo as pessoas a fazerem esta leitura sagrada. Finalmente, início o meu dia tentando partilhar a prática com tantas pessoas quanto possível.
HRS: Na sua opinião, qual é a melhor forma de desenvolver uma prática diária?
SK: Penso que a melhor forma é definir o teu ponto de partida, as tuas necessidades, de modo a manter a graciosidade, a força e a coragem. Quando tive a minha filha e estava em tournée, não tinha «tempo» para a minha prática espiritual, da forma que a conhecia, e a vida era muito difícil. Precisava de começar por algum lado. Nesse momento, no desespero, defini o meu ponto de partida. Defini que precisava de, pelo menos, meia hora de yoga todos os dias ou então ficaria louca! Estava na minha autocaravana, com a minha filha e o meu marido a conduzir, e fazia a minha prática de yoga silenciosamente ao lado da minha filha, enquanto ela dormia. Tinha as minhas limitações, mas não vacilei e foi muito importante sabê-lo. O meu corpo disse – “Ena! Tu lutaste por mim. Obrigado!”. Fiquei espantada por conseguir enquanto estava a cuidar da minha filha e a minha prática cresceu a partir daí. No meu livro Original Light existem várias práticas para escolher de acordo com o objectivo de cada um, o que querem e podem fazer. Defines 10 minutos ou meia hora por dia e assim sabes que serás bem-sucedido na tua prática. E fá-lo diariamente por, pelo menos, 40 dias. A partir daí a tua psique, a tua mente e o teu corpo saberão como crescer. O objectivo final desta prática de Kundalini Yoga é reservar duas horas e meia do teu dia, ou seja, 10% do teu dia, para a prática espiritual. Depois, como disse Yogui Bhajan – «Deus se entregará a ti para o resto do dia». É o início de uma relação amorosa com Deus e fá-lo porque amas a prática, disfrutas e estás viciado nela.
HRS: Pode falar-me um pouco do início da sua carreira? Como é que ela começou?
SK: Estava a trabalhar na empresa de cereais de pequeno-almoço de Yogui Bhajan, a fazer cereais. Fazia também música e era professora de Kundalini Yoga. Tocava na comunidade Sikh e na comunidade de Kundalini Yoga e gravei um álbum com alguns amigos. O álbum teve uma grande receptividade. As pessoas estavam a comprá-lo e a pedir-me para dar concertos, a estar com elas. Fazia-o aos fins-de-semana e perguntei a Yogui Bhajan – «Posso começar a fazer música a tempo inteiro?» – porque estava a trabalhar para ele, não só como funcionária na sua empresa, mas também como aluna dele. A resposta dele foi – «Não, não! Tens de ficar e continuar a fazer granola». Esse tempo foi muito valioso para mim e quando olho para trás, vejo como aprendi a trabalhar arduamente, durante muitas horas, aprendi a ser responsável, a pagar as minhas contas e todas as coisas importantes de como te tornares um adulto. Finalmente o tempo chegou. Após a morte de Yogui Bhajan senti uma clara mensagem e energia de que podia sair e cantar.
HRS: A sua mãe (Prabhu Nam Kaur) era cantora. De que forma influenciou a sua carreira musical?
SK: A minha mãe até ao hoje ama cantar os mantras da tradição Sikh e de Kundalini Yoga. Não existe muito mais que ela ame. Às vezes eu digo – «Ei, vamos ser como as mães e filhas normais. Vamos ao SPA e fazer as unhas» – e ela diz-me – «Não! Não tenho interesse nisso» [risos]. Isso costumava chatear-me. Pensava que só queria que fosse uma mãe normal e agora não há nada que ame mais do que cantar. Ela ama cantar, é a sua paixão. Ama os seus filhos, o seu marido, ama chocolate mas realmente ama cantar. Essa foi uma lição muito importante para mim. Se vais ter uma carreira a cantar é bom que ames o que fazes, porque há uma variedade de questões – organizar uma tournée, contratar uma banda, comprar bilhetes de avião, pagar aos músicos, criar cartazes. A minha mãe ensinou-me a estar no meu centro, a amá-lo. E esse amor salvou-me. Sem esse amor estaria condenada.
HRS: Estamos perante mudanças políticas e sociais profundas. De que forma a sua música pode ajudar a acompanhar estas mudanças?
SK: Cantar é utilizar a tua voz para uma mudança positiva, é uma forma de comunicação. Sinto que pessoas que praticam os cânticos sagrados, seja da tradição de Kundalini yoga, cristã, muçulmana ou outra tradição, têm a capacidade de aceder à comunicação consciente entre si, com as palavras e com a vibração. Primeiro começa a vibração, depois os pensamentos, seguem-se as palavras e, finalmente, as acções. Quando regressamos aos cânticos sagrados, como núcleo sagrado do nosso ser, temos a capacidade de voltar à nossa verdade, à nossa identidade. Não há garantias de que se alguém cantar acede à sua verdade interior. Se a fazem de forma automática e depois actuam como parvalhões, não foi o suficiente. A intenção não é apenas cantar estes cânticos e usar roupa branca, é sobretudo mudar a vibração interior. Os cânticos fazem-no, mas também tens de te dedicar a isso. Esta capacidade de existir na tua verdade interior é muito necessária nesta data e nesta Era, com tanta polaridade, onde as pessoas são apanhadas em conflitos de opostos. O nosso desafio é que estas pessoas em partidos opostos finalmente se encontrem num ponto intermédio. E a única forma que conheço é através da comunicação, de muita comunicação. Penso que as pessoas que têm uma prática espiritual têm um papel muito importante de manterem o seu centro, um espaço de clareza e de verdade. E também começar a alcançar pessoas de diferentes religiões, práticas e formas de vida, para começar a criar uma maior conexão.
[1] Mestre de Kundalini Yoga e Meditação.
[2] Japji Sahib é uma recitação sagrada da tradição Sikh.
Snatam Kaur (SK): Yogui Bhajan[1] disse que a primeira pessoa que tens de ensinar és tu mesmo. Para seres um professor eficaz tens de ensinar a ti mesmo. Comecei a notar efeitos em mim. Não consigo precisar o momento exacto porque cresci a ouvir música. Quando os meus pais se divorciaram comecei a cantar à noite, porque estava assustada com toda a situação e cantar à noite dava-me conforto. Esse foi o primeiro momento que senti como os cânticos sagrados podiam ser utilizados. Quando era adolescente voltei aos cânticos à procura de ajuda e ficava na sala de meditação durante horas até elevar a minha energia. Aos 20 anos, a minha jornada mudou quando me tornei instrutora de Kundalini Yoga. Após a formação ganhei consciência da minha missão de ensinar o cântico de mantras. As pessoas vinham à minha aula para aceder àquele espaço de compreensão, para terem uma experiência de cura. Ali vi os efeitos dos cânticos de mantras e isso guiou-me para começar a gravar álbuns e a dar concertos.
HRS: Acha que é por isso que muitas pessoas vão aos seus concertos e workshops?
SK: Sim. Sinto que estes cânticos vivem quando são experienciados por pessoas. Nos meus concertos e workshops tento criar experiências para que a pessoas possam cantar. Há uma simplicidade e acessibilidade. Admiro os músicos que têm muita técnica, mas aqui o objectivo é que a música apoie a experiência do cântico. Os cânticos são medicinais.
HRS: Algumas mães têm-nos ligado a perguntar por bilhetes, porque os seus filhos pedem para ir ao concerto. Por que acha que as crianças têm esta ligação com a sua música?
SK: Ensino música e cânticos de mantras em campos de férias para crianças. Também ensino uma aula semanal para crianças na minha cidade natal. Aprendi da tradição Sikh, que foi fundada no séc. XV no norte da Índia, que a idade não tem barreias. Houveram 10 Gurus e cada um tinha algo para ensinar. Guru Har Krishan tinha apenas 5 anos e carregou essa responsabilidade. Vinham pessoas de toda a Índia para o ver e para se curarem. Ele tinha a capacidade de curar através das mãos. Nesta tradição há uma ênfase em ensinar a crianças, porque as crianças são o futuro. Na verdade somos sempre crianças e temos de voltar para a raiz e abraçar a corrente curativa. Estou grata por ensinar a crianças, pois trazem-me para a importância da vida.
HRS: É a primeira vez que actua em Portugal. O que espera do concerto de 17 de Março?
SK: Posso estar errada, mas sinto que é um país lindo. Com pessoas de coração aberto. Provavelmente estarei muito emocionada ao sentir muito amor. Sinto que é um país com muita luz. Será uma dádiva para mim e para a minha banda actuar em Portugal. Sinto que será uma grande bênção.
HRS: Será certamente uma grande bênção tê-la cá e à sua banda. Será um momento muito especial. Cantará alguns clássicos dos seus primeiros álbuns?
SK: Sim. Já ando em tournée há 14 anos. Há algumas músicas que tocamos sempre e outras que sinto uma forte ligação. Com esta banda já actuo há 3 anos e criámos um novo álbum em conjunto no Inverno do ano passado. Gravámos este álbum ao vivo no estúdio. A energia era tão vital, rica e bonita que me inspirou. Esta gravação trouxe união, amor e confiança entre nós. Estou mesmo entusiasmada para partilhar estas músicas convosco em Portugal. Esse álbum sairá na mesma altura do concerto português. O álbum chama-se Beloved (Amado). O título tem a ver com o encontrar o amado dentro de nós. Encontrar uma conexão amorosa connosco mesmos em vez de olhar para fora. Senti-me inspirada pelo nome para que as pessoas sintam essa luz dentro delas. Especialmente no dias que correm, temos de encontrar a paz de alguma forma. O nome do álbum é para suportar isso.
HRS: O que veio primeiro na sua vida? A música ou o Kundalini Yoga?
SK: [Risos] Como sabe o mundo do Kundalini Yoga está repleto de música [risos]. Ambos vieram ao mesmo tempo. Cresci com o Kundalini Yoga e com a música. Os meus pais eram praticantes de Kundalini Yoga, Sikhs e músicos. Estes cânticos, em que temos de premanecer quietos e manter o ritmo, são uma forma de respiração yoguica. Esta música é diferente. Não é para dar destaque ao instrumento, mas para intensificar a luz interior.
HRS: O que é para si um mantra? E quão importante é entoar mantras?
SK: Mantra é uma forma muito poderosa de purificar a energia. Acordas para a tua prática matinal (sadhana) e ao entoar mantras cortas os pensamentos negativos e elevas a tua mente. No final de uma sessão de cânticos está tudo mais claro. Não há nada no planeta que te dê esta libertação da mente. Não é só mental, porque somos seres inteiros, mas a mente sente-o e os cânticos sentem-se ao longo do corpo, dando-nos uma sensação de libertação e relaxamento. Depois disto todos os problemas parecem pequenos. Elucida-nos para uma parte mais clara da mente. Os cânticos sagrados ajudam a lidar com a depressão, com a raiva, com os medos. Ajuda-nos a lidar com todas as emoções da experiência humana, trazendo-nos até nós mesmos. Não nos torna diferente, nem outra pessoa, porque és o suficiente. Tens ferramentas para lidar com os teus desafios. É como se tivesses a cozinhar uma sopa e te tenhas esquecido de mexê-la, deixando-a queimada no fundo da panela. Na nossa experiência humana tendemos a esquecer de mexer a panela, não olhamos para nós e ignoramos a nossa prática espiritual. Depois temos uma panela com um fundo queimado e o que vamos fazer? Temos de a lavar e esfregar! Depois de vidas e vidas de panelas queimadas temos de esfregar muito, porque há um colectivo de pensamentos na nossa mente. Os mantras são os esfregões. É por isso que temos de repeti-los tantas vezes. Criamos um ritmo constante para convencer o coração a confiar no «esfregão». Cada vez que entoas mantras estás a remover «resíduos» de vidas passadas, de sofrimento, de problemas e de medos. No final tens uma panela limpa. Temos tanto para limpar que é preciso fazê-lo de uma forma diária. Se não o fizeres regularmente tornas-te mais pesado e denso, sendo mais difícil brilhar e seres tu próprio. Os mantras são uma forma de limpar a mente.
HRS: A propósito da prática diária – Quando viaja e está em tournée consegue ter tempo para a sua prática diária?
SK: Faço por isso. Quando estou em tournée, a viajar e também no meu quotidiano é importante dormir e descansar o suficiente, e dedicar algum do meu tempo à minha prática de yoga e meditação. Isso mantém-me saudável e leve. Obviamente que quando estou em tournée a minha prática diária muda um pouco, porque frequentemente fico sentada por longos períodos nos voos para os locais dos concertos, durante o concerto, portanto faço mais yoga para mexer o meu corpo e a energia. Quando estou em casa tenho mais oportunidade de caminhar, de exercitar o corpo e simplesmente andar de um lado para o outro. Dependendo da energia da tournée é habitual fazer determinada meditação para manter-me focada e com a mente clara. Sigo a prática básica do sadhana aquariano, divida em 5 etapas que destaquei no meu livro. Na primeira etapa preparas-te para a prática – tomar um duche frio, vestir (de branco), seguir a dieta. Esta última é uma parte importante para mim. Tenho muito cuidado com a minha dieta. Prefiro sentir-me leve no meu corpo, na minha mente e na minha alma, procurando comida que se conecte diretamente com isso. Esta primeira etapa, de preparares-te, preparares o teu ambiente e garantir que tens um espaço de meditação também acontece quando percorro o mundo em concertos. Faço uma recitação do Japji[2] para conectar-me. A seguir faço o yoga e algum tipo de cântico, finalizando com uma oração (ardaas). Orar é realmente útil para mim para colocar as minhas preces de numa forma claro, e comunica-las ao divino, atraindo essa energia. Por fim, faço uma leitura sagrada (hukam). Esta é uma oportunidade para o divino falar contigo. As pessoas querem, muitas vezes, escalar uma montanha, falar com um sábio e obter resposta para as suas vidas mas na verdade podes fazê-lo todos os dias. Deus falará contigo. É o que acontece nesta tradição Sikh de ler um hukam, onde o divino expressa-se. Tenho a certeza que outras tradições também o terão, então apenas encorajo as pessoas a fazerem esta leitura sagrada. Finalmente, início o meu dia tentando partilhar a prática com tantas pessoas quanto possível.
HRS: Na sua opinião, qual é a melhor forma de desenvolver uma prática diária?
SK: Penso que a melhor forma é definir o teu ponto de partida, as tuas necessidades, de modo a manter a graciosidade, a força e a coragem. Quando tive a minha filha e estava em tournée, não tinha «tempo» para a minha prática espiritual, da forma que a conhecia, e a vida era muito difícil. Precisava de começar por algum lado. Nesse momento, no desespero, defini o meu ponto de partida. Defini que precisava de, pelo menos, meia hora de yoga todos os dias ou então ficaria louca! Estava na minha autocaravana, com a minha filha e o meu marido a conduzir, e fazia a minha prática de yoga silenciosamente ao lado da minha filha, enquanto ela dormia. Tinha as minhas limitações, mas não vacilei e foi muito importante sabê-lo. O meu corpo disse – “Ena! Tu lutaste por mim. Obrigado!”. Fiquei espantada por conseguir enquanto estava a cuidar da minha filha e a minha prática cresceu a partir daí. No meu livro Original Light existem várias práticas para escolher de acordo com o objectivo de cada um, o que querem e podem fazer. Defines 10 minutos ou meia hora por dia e assim sabes que serás bem-sucedido na tua prática. E fá-lo diariamente por, pelo menos, 40 dias. A partir daí a tua psique, a tua mente e o teu corpo saberão como crescer. O objectivo final desta prática de Kundalini Yoga é reservar duas horas e meia do teu dia, ou seja, 10% do teu dia, para a prática espiritual. Depois, como disse Yogui Bhajan – «Deus se entregará a ti para o resto do dia». É o início de uma relação amorosa com Deus e fá-lo porque amas a prática, disfrutas e estás viciado nela.
HRS: Pode falar-me um pouco do início da sua carreira? Como é que ela começou?
SK: Estava a trabalhar na empresa de cereais de pequeno-almoço de Yogui Bhajan, a fazer cereais. Fazia também música e era professora de Kundalini Yoga. Tocava na comunidade Sikh e na comunidade de Kundalini Yoga e gravei um álbum com alguns amigos. O álbum teve uma grande receptividade. As pessoas estavam a comprá-lo e a pedir-me para dar concertos, a estar com elas. Fazia-o aos fins-de-semana e perguntei a Yogui Bhajan – «Posso começar a fazer música a tempo inteiro?» – porque estava a trabalhar para ele, não só como funcionária na sua empresa, mas também como aluna dele. A resposta dele foi – «Não, não! Tens de ficar e continuar a fazer granola». Esse tempo foi muito valioso para mim e quando olho para trás, vejo como aprendi a trabalhar arduamente, durante muitas horas, aprendi a ser responsável, a pagar as minhas contas e todas as coisas importantes de como te tornares um adulto. Finalmente o tempo chegou. Após a morte de Yogui Bhajan senti uma clara mensagem e energia de que podia sair e cantar.
HRS: A sua mãe (Prabhu Nam Kaur) era cantora. De que forma influenciou a sua carreira musical?
SK: A minha mãe até ao hoje ama cantar os mantras da tradição Sikh e de Kundalini Yoga. Não existe muito mais que ela ame. Às vezes eu digo – «Ei, vamos ser como as mães e filhas normais. Vamos ao SPA e fazer as unhas» – e ela diz-me – «Não! Não tenho interesse nisso» [risos]. Isso costumava chatear-me. Pensava que só queria que fosse uma mãe normal e agora não há nada que ame mais do que cantar. Ela ama cantar, é a sua paixão. Ama os seus filhos, o seu marido, ama chocolate mas realmente ama cantar. Essa foi uma lição muito importante para mim. Se vais ter uma carreira a cantar é bom que ames o que fazes, porque há uma variedade de questões – organizar uma tournée, contratar uma banda, comprar bilhetes de avião, pagar aos músicos, criar cartazes. A minha mãe ensinou-me a estar no meu centro, a amá-lo. E esse amor salvou-me. Sem esse amor estaria condenada.
HRS: Estamos perante mudanças políticas e sociais profundas. De que forma a sua música pode ajudar a acompanhar estas mudanças?
SK: Cantar é utilizar a tua voz para uma mudança positiva, é uma forma de comunicação. Sinto que pessoas que praticam os cânticos sagrados, seja da tradição de Kundalini yoga, cristã, muçulmana ou outra tradição, têm a capacidade de aceder à comunicação consciente entre si, com as palavras e com a vibração. Primeiro começa a vibração, depois os pensamentos, seguem-se as palavras e, finalmente, as acções. Quando regressamos aos cânticos sagrados, como núcleo sagrado do nosso ser, temos a capacidade de voltar à nossa verdade, à nossa identidade. Não há garantias de que se alguém cantar acede à sua verdade interior. Se a fazem de forma automática e depois actuam como parvalhões, não foi o suficiente. A intenção não é apenas cantar estes cânticos e usar roupa branca, é sobretudo mudar a vibração interior. Os cânticos fazem-no, mas também tens de te dedicar a isso. Esta capacidade de existir na tua verdade interior é muito necessária nesta data e nesta Era, com tanta polaridade, onde as pessoas são apanhadas em conflitos de opostos. O nosso desafio é que estas pessoas em partidos opostos finalmente se encontrem num ponto intermédio. E a única forma que conheço é através da comunicação, de muita comunicação. Penso que as pessoas que têm uma prática espiritual têm um papel muito importante de manterem o seu centro, um espaço de clareza e de verdade. E também começar a alcançar pessoas de diferentes religiões, práticas e formas de vida, para começar a criar uma maior conexão.
[1] Mestre de Kundalini Yoga e Meditação.
[2] Japji Sahib é uma recitação sagrada da tradição Sikh.